Os
sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo,
escolar ou universitário.
Aliás,
não estão concentrados no primário, nem no secundário, nem no ensino
universitário, mas abordam problemas específicos para cada um desses níveis.
Eles
dizem respeito aos setes buracos negros da educação, completamente ignorados,
subestimados ou fragmentados nos programas educativos. Programas esses que, na
minha opinião, devem ser colocados no centro das preocupações sobre a formação
dos jovens, futuros cidadãos.
(Edgar Morin)
O Conhecimento.
O
primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Naturalmente, o ensino fornece
conhecimento, fornece saberes.
Porém, apesar de sua fundamental importância, nunca
se ensina o que é, de fato, o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas neste
caso são o erro e a ilusão.
Ao
examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e ilusões.
Mesmo quando pensamos em vinte anos atrás, podemos constatar como erramos e nos
iludimos sobre o mundo e a realidade.
E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento
nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução,
seguida de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção, através do qual
os
olhos recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados,
transportados a
um outro código, que transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do
cérebro para, enfim,
transformar aquela informação primeira em percepção. A partir deste exemplo, podemos
concluir que a percepção é uma reconstrução.Tomemos
um outro exemplo de percepção constante: a imagem do ponto de vista da
retina. As pessoas que estão próximas parecem muito maiores do que aquelas que
estãomais distantes, pois à distância, o cérebro não realiza o registro e termina por atribuir uma dimensão idêntica para todas as pessoas.
Assim como os raios ultravioletas e infravermelhos que nós não vemos, mas sabemos que estão aí e nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções, traduções da realidade. E toda tradução comporta o risco de erro. Como dizem os italianos
“tradotore/traditore”.
Também
sabemos que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e
uma
alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio
César,
não
há nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão
mortos.
São
os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não. Quero dizer com isso
que
estamos
sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processos de leitura isto acontece.
Nós
sabemos que não seguimos a linha do que está escrito, pois, às vezes, nossos
olhos
saltam
de uma palavra para outra e reconstrói o conjunto de uma maneira quase
alucinatória.
Neste momento, é o nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não
reconhecemos
os erros porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando
há
um acidente de carro. As versões e as visões do acidente são completamente diferentes,
principalmente
pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em ângulos diferentes.
No
plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos.
Tomemos
um exemplo um pouco distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra
Mundial.
Uma época em que a França e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes,
potentes
e muito pacifistas, e que, evidentemente, eram contrários à guerra que se
anunciava.
Mas, a partir do momento em que se desencadeou a guerra, os dois partidos se
lançaram,
massivamente a uma campanha de propaganda, cada um imputando ao outro os
atos
mais ignóbeis. Isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os
eventos
trágicos
do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um prefere
camuflar
a parte que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do
outro.
Este
problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as
traduções
e as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é
pensar
que a idéia é a realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa
com o
terreno.
Outras
causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um
pensa
que suas idéias são as mais evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas.
Aquelas
que não estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são
julgadas...
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EDITANDO------------------------------------------
Outro
aspecto da incompreensão é a
indiferença.
E, por este lado, é interessante abordar o cinema, que os intelectuais tanto
acusam
de alienante. Na verdade, o cinema é uma arte que nos ensina a superar a
indiferença,
pois transforma em heróis os invisíveis sociais, ensinando-nos a vê-los por um
outro
prisma. Charlie Chaplin, por exemplo, sensibilizou platéias inteiras com o
personagem
do vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os chefes da Máfia
com
“O Chefão”. No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare:
reis,
gangsters,
assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito:
“Despertados,
eles dormem”. Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da
realidade
tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor.
Por
isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si
mesmo,
a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo
está cada vez mais
devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os seres
humanos.
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para continuar siga o link
http://cursos.unipampa.edu.br/cursos/ppge/files/2010/11/Edgar-Morin.pdf
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